Por Roberto Gonzalez (*)
Por volta de 2013, estive em uma cidade na região Centro-oeste do Brasil para dar aula sobre governança corporativa a fazendeiros. Ao chegar no local onde o evento seria realizado fiquei com medo. Muitos deles, senhores com cerca de 70 anos, estavam armados. Minha primeira reação foi sair. Nunca, na minha vida, eu havia ministrado aula para pessoas armadas. E se em algum momento alguém ficasse irritado com alguma coisa que eu falasse? Fui convencido a continuar. Voltei e no final não houve nenhum problema.
Tanto não houve problema que eu retornei no ano seguinte. Fui dar aula para a geração seguinte, para turma de 30, 40 anos de idade. Muitos compareceram acompanhados dos pais. O que percebi é que pelo menos os filhos não estavam armados. Classifico isso como uma evolução. Pequena, mas uma evolução. E quero acreditar muito que essa nova geração, os filhos, os netos, bisnetos venham com a mente mais aberta para que a gente deixe de ser, de uma vez por todas, casa grande e senzala. Refiro-me ao Brasil como um todo e não apenas ao Brasil rural.
O caso acima retrata, de certa forma, como se dá a evolução da governança em parte das empresas brasileiras. Ocorre de forma lenta e por causa do envelhecimento dos donos do capital, que em função da idade avançada entregam a gestão para os filhos. Estes, provavelmente, têm um modo de pensar diferente e implantam novos conceitos e modelos de gestão. Claro que parte dessa evolução também se dá por causa dos inúmeros debates realizados todos os anos, das notícias veiculadas e da mudança na legislação entre outras razões. O tema está em voga e não há como fugir dele.
Décadas atrás, somente empresas de capital aberto se preocupavam com governança corporativa. Mesmo assim, voltada apenas para a gestão financeira. Preocupação social e com o meio ambiente não existia. Isso mudou. Empresas familiares, grandes e pequenas também se preocupam em mudar a cultura interna para outra que torne o negócio mais sustentável.
E é curioso que o tema passou a ser de cunho macroeconômico, porém, como estão envolvidos diversos agentes e organizações de todo e qualquer tamanho, pode-se afirmar que o assunto também é microeconômico, o que exige uma discussão mais aprofundada da governança do país. Em princípio, acredita-se que se trata de algo muito complexo, assustando gestores de micro, pequenas e médias empresas. Mas não é bem assim
Quando uma floricultura discute o seu negócio com um grupo de três pessoas – proprietário, cliente e um não cliente -, seis vezes por ano, isso é um processo de governança. Quando as fundações, que não são obrigadas a ter conselho fiscal pela legislação, implantam conselhos efetivos e atuantes, temos também um processo de governança. Ninguém, nem mesmo as maiores empresas do mundo conseguem fazer tudo de uma vez. É preciso apontar o que precisa ser melhorado para assim fazer um planejamento. E a lista daquilo que será foco da evolução não deve ser grande. Pelo contrário, deve-se começar o processo de implantação da governança corporativa por aquilo que é importante e viável.
A dificuldade das organizações, porém, é agir rápido. E isso é muito preocupante porque essa evolução lenta, mesmo sendo melhor do que nada, pode não gerar os resultados que o planeta precisa. As escolhas da humanidade hoje não se dão mais em função da melhoria da qualidade de vida, mas sim da sua própria sobrevivência. As mudanças climáticas que habitantes de todas as partes do mundo estão testemunhando não me deixam mentir. De qualquer forma, ainda há tempo para mudanças. Abram os olhos.
(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. Foi um dos idealizadores do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3. Conquistou o prêmio ABAMEC em 2004 defendendo o ESG na Análise Fundamentalista. É autor do livro “Governança Corporativa – o poder de transformação das empresas”
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CAIQUE TEIXEIRA ROCHA
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